O aclamado longa “Dois Papas”, disponível na Netflix, utiliza encontros fictícios entre os papas Bento XVI e Francisco para discutir os dilemas contemporâneos da Igreja Católica. Dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e estrelado por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, o filme recebeu três indicações ao Oscar em 2020 — e despertou o interesse do público sobre o que é verdade ou ficção na narrativa.
A seguir, destacamos os principais pontos da história real por trás da obra cinematográfica:
1. Bergoglio não terminou um noivado para virar padre
No filme, o jovem Jorge Bergoglio abandona um noivado para seguir a vocação religiosa. Na realidade, ele teve um romance inocente na infância com Amalia Damonte, com quem trocou cartas aos 12 anos. Em uma delas, ele chegou a escrever que, se não casasse com ela, se tornaria padre — o que acabou acontecendo. O relacionamento, no entanto, foi encerrado pelos pais da garota, e não por uma decisão espiritual de Bergoglio.
2. A relação de Francisco com a ditadura argentina é mais complexa
Durante a ditadura militar na Argentina, Bergoglio era o líder da ordem jesuíta. Temendo o regime, ele colaborou com autoridades, removeu dois padres — Franz Jalics e Orlando Yorio — de suas atividades comunitárias e os expulsou da ordem. Ambos foram capturados, presos e torturados.
Anos depois, quando Bergoglio foi eleito papa, Jalics declarou publicamente que não acreditava que ele os tivesse entregado ao regime, sugerindo que Francisco tentou protegê-los.
3. Bento XVI realmente ignorou casos de abuso sexual
No longa, Bento XVI admite ter conhecimento sobre os crimes do padre mexicano Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo. Nos anos 1990, o então cardeal Joseph Ratzinger liderava a Congregação para a Doutrina da Fé, mas não puniu Maciel, mesmo após denúncias graves. A Igreja só o denunciou formalmente em 2010, dois anos após sua morte.
4. Fanta e piano: um retrato real de Ratzinger
Uma curiosidade verdadeira: Bento XVI realmente era fã de Fanta e adorava tocar piano. Segundo relatos, ele tomava várias latas do refrigerante por dia. Porém, a cena em que os papas tomam Fanta e comem pizza juntos na Capela Sistina é completamente fictícia — inclusive, o espaço retratado foi uma réplica construída para as filmagens.
5. Francisco relutou em ser papa
O filme mostra Bergoglio hesitante em aceitar o papado, especialmente durante o conclave de 2005, quando Bento XVI foi eleito. Isso tem base na realidade. Francisco, em entrevistas, já afirmou não se sentir preparado para o cargo, e chegou a incentivar votos em Ratzinger, apesar de discordâncias ideológicas.
6. Eles se encontraram em Castel Gandolfo, mas depois
A reunião retratada no filme entre Bento e Francisco em 2012, antes da renúncia de Ratzinger, é fictícia. Os dois realmente se encontraram no palácio de Castel Gandolfo, mas isso ocorreu em 2013, após Francisco já ter sido eleito papa.
7. Assistiram juntos à final da Copa de 2014? Provavelmente não
Embora o filme insinue que os dois papas assistiram juntos à final entre Argentina e Alemanha na Copa de 2014, isso é apenas uma licença poética. O roteirista Anthony McCarten revelou que viu uma foto dos dois diante de uma TV e imaginou essa possibilidade.
8. Sapatos vermelhos e conservadorismo: um símbolo de contraste
No longa, Bento XVI critica Francisco por usar sapatos pretos em vez dos tradicionais vermelhos, interpretando isso como um gesto político. De fato, Francisco rejeitou os sapatos vermelhos por simbolizarem o luxo e a pompa que ele critica na Igreja. Esse contraste de estilos representa a diferença entre o papa conservador e o progressista.
9. O Papa Francisco assistiu ao filme?
Oficialmente, nem Francisco nem Bento XVI comentaram sobre o filme. No entanto, segundo o ator Jonathan Pryce, um cardeal próximo aos papas se interessou em mostrar o filme ao pontífice argentino. Além disso, a família de Bergoglio na Argentina teria aprovado a forma como ele foi retratado.
“Dois Papas” é uma obra que mistura habilmente realidade e ficção para explorar os bastidores da transição papal e as tensões entre tradição e renovação dentro da Igreja Católica. Embora nem todos os eventos mostrados no filme tenham acontecido exatamente como retratados, a essência dos personagens e seus dilemas permanece fiel ao espírito do momento histórico vivido pela instituição religiosa.